1. O nome no sonho dos nove anos
Se tentarmos ver o tema do “nome” na filigrana do sonho dos nove anos, notamos, em primeiro lugar, o aparecimento do venerável homem de rosto luminoso que Joãozinho não consegue olhar porque a luz o cega. O homem nobremente vestido de branco põe fim à violenta discussão entre as crianças que riem e blasfemam e o pequeno João. O misterioso personagem o chama peremptoriamente pelo nome e lhe impõe uma ordem. “Ele me chamou pelo nome”: é uma lembrança bíblica fundamental, quando Deus chama pelo nome ele sempre confia uma missão (Abraão, Moisés, Samuel, Maria, Pedro, Saulo…). Indica que a iniciativa pertence sempre a Deus, que primeiro pronuncia o nome e o faz existir. “Deus disse: faça-se a luz! E a luz foi feita”, Deus chama João Bosco pelo nome e mostra-lhe o Sistema Preventivo “não com pancadas, mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses seus amigos”. Depois de pronunciar o seu nome e indicar-lhe uma missão, neste momento João Bosco sente a necessidade de saber o seu nome. Duas vezes ele pergunta: “Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis?” “Mas quem sois vós que assim falais?”. É próprio do homem conhecer, questionar-se, questionar-se a partir da realidade, compreender… é assim também para João. Apesar de pequeno, ele possui um raciocínio rápido e focado e o desejo de entender quem é o misterioso personagem que lhe pede algo aparentemente impossível. A resposta do personagem luminoso reflete a pedagogia divina: “Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia”. O conhecimento do nome divino ocorrerá para João Bosco e na espiritualidade salesiana através da mediação materna de Maria. Como aconteceu com a encarnação do Verbo, onde foi necessário o seu “eis me aqui”, então para conhecer, relacionar-se e experimentar a força de Jesus é necessário passar por sua mãe Maria. E novamente este conhecimento ocorre na oração através do apelo muito delicado da oração do Angelus três vezes ao dia numa sociedade camponesa. O mistério do nome deve ser perguntado à Mãe, assim conclui o personagem que desaparece de cena: “Pergunta meu nome à minha mãe”. Na história de Dom Bosco, quão verdadeira é esta afirmação: a oração sincera diante de Nossa Senhora das Graças em Chieri para compreender a sua vocação, a indicação do lugar do martírio dos Santos Solutore, Avventore e Ottavio para que a Basílica de Maria Auxiliadora ali fosse construída, a compreensão do sonho com lágrimas nos olhos, no dia 16 de maio de 1887, diante do altar de Maria Auxiliadora, na Basílica do Sagrado Coração. Compreender o nome, conhecer o mistério que lhe está subjacente, conhecer Jesus não é uma operação pontual que acontece uma vez na vida, mas é fruto de um processo contínuo que tem um começo, dura a vida toda e vai crescendo até à plena maturidade de Cristo, até que seja formado em vós (Gal 4,19).
2. O nome na Bíblia
Na Bíblia, a imposição de um nome é a afirmação característica de uma pessoa (Adão chama sua esposa de issah porque vem de is…). Em todo o mundo semita o nome é a própria realidade de uma coisa, o conhecimento do nome acarreta uma espécie de poder sobre o ser cuja essência e energia são conhecidas. O famoso texto em que Deus revela o seu nome está contido no capítulo 3 do livro do Êxodo. Deus não se revela com um substantivo, mas com um verbo (hjh, “ser, tornar-se, continuar a ser). Assim se configura o tetragrama sagrado e impronunciável dos judeus (JHWH). Na realidade, o texto de Ex 3,14, em vez de uma definição e revelação do nome divino, contém uma negação da revelação. “Eu sou quem sou” é talvez a afirmação da essência incognoscível de Deus e não a definição da eternidade de Deus (“Aquele que sempre é”) ou de sua fidelidade (“Aquele que é sempre fiel”) ou mesmo de sua aseitas como queria a filosofia cristã clássica. Todavia, este título “Eu sou” não é vazio porque evoca o ponto exato em que Deus se revela: a história do Êxodo em que Ele se apresenta como libertador e salvador. Como disse Martin Buber, poderia ser traduzido como “Eu estou presente, onde estarei presente… eu estou sempre presente”.
3. A história de Moisés (Ex 3,1-10; At 7,30.31)
O que faz? A primeira coisa que Moisés faz é maravilhar-se. Enquanto está no deserto, enquanto o rebanho do seu sogro pasta, ele avista um pouco longe uma sarça ardente e parece-lhe que continua a arder sem se consumir. Moisés, que tem 80 anos, é capaz de se maravilhar com alguma coisa, de se interessar por algo novo: uma sarça ardente que arde mas não se consome. Ele poderia ter dito: “Há fogo; é perigoso para o rebanho se o fogo se espalhar; vamos embora, vamos levar as ovelhas embora.” Ou ele poderia ter dito: “Há algo sobrenatural; é melhor não cair em uma armadilha; vamos embora e deixemos que os mais novos, os que têm mais entusiasmo, se interessem: já tive as minhas experiências e isso basta-me.” Em vez disso, “Moisés ficou maravilhado”, isto é, foi levado por aquela capacidade, que é típica de uma criança, de se interessar por algo novo, de pensar que ainda há algo novo. Portanto, Moisés ficou maravilhado e em vez de não prestar atenção e ir embora, “aproximou-se para ver”, o texto diz muito mais do que “ver”; na verdade indica o nous (katanoesai), a mente, portanto olhando, considerando, refletindo, tentando compreender, etc. Aqui vemos a liberdade de espírito alcançada por Moisés através da purificação. Se fosse um homem amargo e resignado, teria simplesmente concluído: “Uma coisa estranha, mas não me diz respeito”. Mas não: ele quer entender, quer ver do que se trata. Aqui está um homem vivo, embora velho. “Moisés disse consigo mesmo: “Vou voltar, para contemplar esse extraordinário espetáculo, e saber porque a sarça não se consome” (Ex 3,3). O texto grego diz: Você se lubrifica? “Por quê?”. Moisés é um homem que deixa surgir questões dentro de si; já não é o homem que já tem tudo organizado e catalogado, que tudo compreendeu; ele é um homem ainda capaz de fazer perguntas que exigem uma resposta atenta. Pode-se supor uma situação deste tipo: no deserto existem diferentes planaltos, uns em cima dos outros, e muitas vezes é necessário fazer um longo desvio para subir ao planalto superior; Moisés se encontra num planalto mais baixo com suas ovelhas, vê a sarça ardente num planalto mais alto e diz: “Vou subir, vou dar uma volta, quero ver do que se trata”. O que significa abandonar o rebanho, talvez até em perigo, subir sob o sol, etc. Nas palavras “Quero chegar mais perto para contemplar esse extraordinário espetáculo”, portanto, vislumbramos a alma de Moisés; é como se Moisés dissesse: «Sou um pobre, um fracassado, mas Deus pode fazer coisas novas, e quero interessar-me, quero entender, quero compreender, quero saber o porquê”. Note que aqui volta a grande pergunta que Moisés se fazia há 40 anos: “Mas porque é que Deus permitiu aquela derrota? Por que, se ele ama o seu povo, não me usou para salvá-lo? Por que ele não aproveitou a oportunidade que eu lhe dei?”. Este “porquê”, que Moisés cultivou, apurou e purificou, surge novamente diante daquela visão inesperada. Este “saber” em Moisés é algo que se conserva dentro dele, é uma paixão que não adormeceu, mas que a purificação tornou mais simples, mais livre. Moisés não vai à montanha em busca de um novo sucesso pessoal; ele vai lá porque quer saber como são as coisas, quer encarar a verdade como ela é.
O que você ouve? Ex. 3, 4-6. O texto diz: “Vendo o Senhor que ele se voltou para ver, chamou-o do meio da sarça: Moisés, Moisés!”. Moisés ouve seu nome. Imagine o choque de medo e espanto de Moisés quando se vê chamado para o deserto, para um lugar onde não há alma vivente. Moisés percebe que existe alguém que conhece o seu nome, alguém que está interessado nele; ele se achava um excluído, um fracassado, uma pessoa abandonada: mas alguém grita seu nome no meio do deserto. É uma experiência violenta, que talvez também nós tenhamos vivido quando, encontrando-nos num lugar onde pensávamos ser completamente ignorados, ouvimos de repente alguém nos chamar pelo nome. Agora Moisés ouve ser chamado duas vezes pelo nome: “Moisés, Moisés”. Também Moisés sente que chegou um momento decisivo para a sua vida: é o momento em que deve estar verdadeiramente disponível, sem cometer os erros da primeira vez; portanto, ele está cheio de medo: “O que vai acontecer comigo?”. E aqui Moisés ouve algo que talvez não esperasse. Aquele que partiu com tanto ardor para ver a sarça ardente, teria gostado de ouvir: “Obrigado por ter vindo, por não se deixar vencer pela amargura”; e em vez disso escuta aquela voz que lhe diz: “Não te aproximes daqui. Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa”. Moisés, com todo o seu ardor, tentou fazer a mesma coisa: isto é, ver aquele fenômeno da sarça ardente enquadrado na sua visão de Deus, da história e da presença de Deus na história. E então Deus lhe diz: “Moisés, não é assim; tire as sandálias, porque você não vem até mim para me enquadrar em suas próprias ideias; não é você quem deve me integrar na sua síntese pessoal, mas sou eu quem quer integrá-lo no meu projeto.” Moisés, portanto, escuta: “Não te aproximes daqui. Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa”. Imagine o choque de Moisés ao ouvir essas palavras. Esta é uma terra santa? Esse deserto maldito, lugar de chacais, de desolação, de aridez, onde só os bandidos gostam de vir, onde não mora gente boa? Este deserto onde eu pensei que estava abandonado, miserável, fracassado: esta é uma terra santa? Esta é a presença de Deus? É este o lugar onde Deus se revela?
O que ele quer dizer? Neste ponto Moisés compreende o que é a iniciativa divina: não é ele quem procura a Deus e, portanto, deve ir a lugares purificados e santos para encontrá-lo; é Deus quem procura Moisés e o busca onde ele está. E o lugar onde está Moisés, seja lá o que for, mesmo que seja um lugar miserável, abandonado, sem recursos, amaldiçoado, esse é a terra santa, ali está a presença de Deus, ali se manifesta a glória de Deus. Podemos contemplar como Moisés viveu a sua mudança de horizonte, a sua verdadeira conversão, a sua nova forma de conhecer a Deus. Até agora, para Moisés, Deus era alguém por quem muito tinha que ser feito: tinha que fazer uma revolução, sacrificar a própria posição de privilégio. Lançar-se em direção aos irmãos, desgastando-se em nome deles, para depois ser desprezado e deixado de lado novamente. Agora Moisés finalmente começa a entender; Deus é diferente: até agora você o conheceu como alguém que te explora por um tempo e depois te abandona, um patrão mais exigente que os outros, … mais que faraó; agora ele começa a compreender que é um Deus de misericórdia e de amor, que cuida dele, o último dos fracassados e esquecidos pelo seu povo. Depois Moisés continua a escutar outras palavras: “Deus tornou a dizer: ‘Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó” (Ex. 3,6). Moisés entendeu que não tinha entendido nada sobre Deus; de qualquer forma, ele pensava que este era um Deus novo e diferente. Mas eis que Deus lhe diz: “Eu sou o Deus de teus pais; se você tivesse me entendido, teria percebido que sou o mesmo Deus de Abraão, Isaque, Jacó; Eu também agi assim com eles.” O Senhor foi um Deus que cuida de quem está abandonado, de quem se sente desesperado e fracassado. Nos vv. 7ss continua: “O Senhor disse: “Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço os seus sofrimentos. E desci para o livrar da mão dos egípcios e para fazê-lo subir do Egito para uma terra fértil e espaçosa. Uma terra que mana leite e mel. … Agora, eis que os clamores dos israelitas chegaram até a mim, e vi a opressão que lhes fazem os egípcios.” Quão cuidadosa é a dicção, toda na primeira pessoa: “vi, ouvi, sei, desci, etc. …” e assim também a censura implícita a Moisés: “Tu, Moisés, acreditavas ser um homem muito culto e bem versado no conhecimento do homem; você pensou que entendia seus irmãos, sua miséria; você pensou que foi você quem tomou a iniciativa de entendê-los, e então me implorou para que eu os entendesse também; no entanto, sou eu quem os compreende primeiro, sou eu quem compreende todas estas coisas, sou eu quem vê e sente. Você, Moisés, pensou que era o primeiro a descobrir a beleza da liberdade, ansioso como estava para aproveitá-la, e não conseguiu; mas tudo isso vinha de mim. Você nunca pensou que esse era o meu trabalho e, em vez disso, se jogou nele, pensando que o trabalho era todo seu, que tudo dependia de você. Agora você percebe que eu vejo, eu ouço…; na verdade, se há alguma compaixão em você pelo povo, ela vem de mim; se existe alguma sensação de liberdade em você, sou eu quem a dou a você; se há alguma curiosidade em você, ela é minha.”
4. Pela concretude do caminho
No ritual do jantar da Páscoa judaica (aggadà), algumas crianças que ouvem a história da noite de Páscoa comportam-se de forma diferente. Um deles está com sono; outro, em vez disso, diz: “Mas o que me interessa nesta história do Egito?” Ainda outro faz perguntas e pergunta: “Por que celebramos esta festa e o que esta festa significa para nós?” Esta é a atitude de Moisés e de João Bosco, que se fizeram esta pergunta fundamental: “como é que?” “qual o seu nome?”. Um bom educador não só sabe dar respostas, mas antes mesmo sabe levantar questões. Algumas atitudes educativas ajudam nessa árdua tarefa: despertar a admiração (thaumazein em grego) e lembrar (zakar em hebraico).